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UMA HISTÓRIA

                                   
Sofia chegou à casa toda esbaforida e trêmula. Jogou-se no sofá na esperança de encontrar a calma necessária para pronunciar as palavras que explodiam em sua mente.
Café, o gato amarelo, pulou em seu colo, subiu em seu tronco e aninhou-se em seu colo.
Ela não chorou, buscava lágrimas, mas estava à procura de ouvidos que pudessem ouvir sua história. Café ronronou e ela entendeu que ele poderia ouvi-la.
Só pronunciou seu nome e um "sabe querido" que emudeceu logo em seguida. “É complicado expressar o imaginário, sim porque o futuro faz parte do imaginário, do talvez, dos planos e da incerteza.
Cada dia que se põe é um adeus, pois pode ser o último.
Cada amanhecer, uma nova oportunidade de novamente se despedir quando o sol escurece no horizonte.”
Sofia não tinha motivos para sentir a solidão ancorada na soleira da porta afinal existia Café e a sua mãe que voltava sempre à noitinha do trabalho na loja de departamentos.
Os cabelos de sua mãe já branqueavam, entretanto seus olhos falavam de uma juventude eterna. As luzes da rua já estavam acesas, o barulho dos carros parecia entrar em outra frequência. Uma pressa quase automática em voltar para casa ia aquietando os olhos das pessoas nas ruas. Passos largos e pensamentos lentos levavam a vida de cada dia a um estado de enlevo difícil de descrever. Então, Cássia gritava por Sofia: “Filha, venha me ajudar com as compras!” A luz acendia na sala branca com o gato amarelo no sofá azul.  “Tô indo mami!”
Café rolou pelo sofá e se fez de morto entre as almofadas.
            “Hoje teremos creme de milho para o jantar.” “Julia, a vizinha, estava à minha espera com esta linda travessa de creme de milho. Amigos, Sofia, são nossas riquezas, nossos tesouros. Cultive sempre suas amigas. Elas serão as suas mãos quando precisar de ajuda, o ombro quando quiser desabafar, a mãe que te ajudará com teus filhos e, principalmente, a alegria de horas intermináveis de trocas e aprendizados. Essas amigas são a sua mãe, suas irmãs, tias, avós, a vizinha, enfim, lembre-se sempre de suas amigas.”
            Sofia colocou as sacolas com compras em cima da mesa da cozinha, prendeu os cabelos no alto da cabeça, ajeitou os óculos e, quase sem conseguir falar, balbuciou: “Mãe, tenho algo pra te contar, mas nem sei como fazê-lo mãe.”
A cozinha parou no tempo e era possível ouvir os átomos entre os azulejos.
Cássia sentou-se tão devagar quanto possível, paralisada entre as perguntas que lhe vinham à mente e o desejo de que a partir daquele momento, ouvisse somente notícias boas.
“Sofia, minha filha, aconteceu alguma coisa?”
            O silêncio aguardava que palavras quebrassem sua morada e ignorava o barulho da respiração apressada de ansiedade.
            “Sabe mãe, alguns dias o sol brilha e todas as coisas parecem estar impregnadas de felicidade. É possível imaginar o futuro, fazer planos, produzir, interagir com a humanidade.”
            “Em outros dias, veem as nuvens, o céu fica cinzento, o vento ensaia  cantigas nas folhas das árvores e a garoa começa devagar, primeiro apagando a poeira e impregnando o ar de um odor doce de água e terra. Depois se transforma em chuva, barulhenta e fria, escorrendo em enxurradas rua abaixo.”
            “Então mãe essa é a descrição de mim mesma. Existem dias em que vejo o sol e outros em que sou apenas a chuva.”
            “Hoje percebi que independente de tudo e todos, a tristeza sempre se instala em meus pensamentos e por mais que eu busque encontrar o sol, ele não existe em meus dias.”
            Cássia levantou-se, procurou um copo, encheu-o de água e caminhou até a janela. As lâmpadas da rua estavam adornadas de inúmeros insetos e um cachorro deitado ao lado do poste esperava o dono. A tranquilidade começava a chegar às casas, mas logo passaria o caminhão recolhendo o lixo e, essa seria a senha para que todos os cachorros iniciassem a sinfonia da noite.
            Não sabia o que falar. Não sabia ir além de si mesma. Buscava em suas memórias os dias de sua juventude, as horas de tantos sonhos e dos planos que fizera para sua vida. A maioria arquivados nas adversidades e contratempos.
            O que dizer agora, quando se via refletida nos olhos de sua filha, jovem e com tantos caminhos a seguir? O que deveria fazer? Contar de si mesma as dores e os sonhos que se perderam? Ou contar que as dores não têm nada a ver com os sonhos que se perderam e as frustrações que tomaram lugar em tudo. Dizer que as dores e o sofrimento sem causa, eternamente sem causa, fazem parte de um DNA depressivo?
            Voltou-se para sua filha, tomou-a nos braços e apertando-a contra o peito descreveu a vida. “Um dia de cada vez.” Disse-lhe. “O coração dolorido adormece e acorda para um novo dia.” “Quase sempre acorda chorando, mas é possível continuar e, quando houver sol, um sorriso sempre brota no rosto triste.”
Autora: Helena Rosali
Artista Plástica e escritora
www.costuraeliteratura.com.br

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