O silêncio apoderou-se de minha
fala depois de conhecer o paraíso.
Quanto, antes, esperava lidar com
as palavras e fazer delas um meio de transformação de dias cansados e sem
esperança, mas o inusitado sempre acontece e faz parecer que as dimensões não
coincidem e a realidade, no final, se vê escravizada nas mordaças do tempo.
Elisa observava a rua através da
cortina e não esperava nada mais que o soar do despertador para sair porta a
fora, ao encontro de mais um dia de trabalho.
Na rua, vento gelado batendo no
rosto, apertou contra si o casaco azul que ganhara de sua avó, alguns anos
antes, e com a pressa costumeira correu para pegar o ônibus sempre lotado no
início da manhã.
Era para ser mais um dia comum entranhado
na rotina das horas, das falas, das leis, das obrigações, só que tudo mudou
quando enormes nuvens se formaram no horizonte e, em pouco tempo fez com que o
dia perdesse o brilho despejando sobre a cidade a chuva, o granizo e o medo. O
vento, sem piedade levava consigo árvores, telhados, coisas, sonhos e
esperanças.
Presa entre as mesas, em seu
local de trabalho, todo alagado, Eliza procurava dentro de si orações. Elas
vinham e fugiam entre o desespero e a fé. Ouvia os gritos dos colegas, o choro
e os chamados para que encontrassem um lugar melhor para se protegerem, mas não
conseguia se mexer e sair do estado de torpor que tomara conta de si. A água
subia rapidamente e passava por suas pernas como se fosse o curso de um rio
caudaloso. Todos fugiram e ali estava
somente Elisa e a água que fazia flutuarem as mesas, as cadeiras, os papéis, o
trabalho da vida de alguém. Seu Cândido, dono do Estabelecimento, sempre
trabalhou duro para prosperar e sustentar a família de quatro filhos e a esposa
Maria Ana.
Agora, tudo se acabava na água de
uma grande chuva e Elisa, sendo engolida pela água, não conseguia agarrar-se à
sua vida. Sem saber nadar, debatia-se na esperança de se firmar em uma
superfície sólida, mas não existia mais nada além dela e das paredes. Os gritos
desapareceram, ouvia apenas a chuva e o vento rasgando o telhado. Depois nada
mais pode ouvir. Desmaiou cansada de lutar contra a água.
Seu corpo afundou na sala
inundada do escritório. Uma vida e suas esperanças por um fio, agonizando os
acordes finais de tantos sonhos. Até que a água rompeu as paredes do escritório
e tudo foi arremessado na rua como uma avalanche e junto Elisa foi arremessada.
Voltou a si sendo observada por
várias pessoas na rua. Seus olhos perceberam pela primeira vez o brilho da
vida. Sentou-se, fechou os olhos e agradeceu a Deus. Sorriu para todos e disse:
“Voltei do paraíso e agora preciso viver. Quando for a hora já sei como chegar
lá!”.
Helena Rosali
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